terça-feira, 29 de julho de 2014

Coisas que me dão coisas

Coisas que eu não digo pra Clara, e me dão comichões quando alguém diz:

"Isso não é coisa de mocinha" ou a versão piorada "Isso não é coisa de mocinha direita".
Exemplo do que motivou: sentar no chão, de vestido, com a calcinha aparecendo. Clara continua tendo só 2 anos.
Sério? Sério? O que é uma coisa de mocinha? Li um romance do século XVIII que muito se assemelha a sua visão do que é uma "mocinha", minha senhora, e nem um pouco a minha visão do que eu penso ser uma mulher jovem feliz e realizada. Tanto jeito pra pedir pra criança sentar direito, tem que escolher pelo jeito machista (e, na boa, datado)?

"Ah, é que isso é coisa de menino" ou "Isso é coisa de menina".
Exemplo do que motivou: ela quer comprar um carrinho ou pergunta porque um menino não está usando brincos.
Eu acredito em homens. Acredito em mulheres. Acredito que nós temos diferenças e semelhanças. Não acredito em coisas de um e coisas de outro. Não quero criar minha filha cheia de preconceitos. Quando vi Clara oferecendo, entusiasmadamente, um batom para um amigo nosso, que não sabia muito bem como agir, eu disse o simples "ele não gosta de batom, filha, nem todo mundo gosta". Funcionou, ninguém se ofendeu, e eu não comecei a incutir nela uma coisa que a sociedade já vai fazer o desserviço de tentar incutir.

"Vai te dar dor de barriga!" - ou, de cabeça, de ouvido, ou resfriado, ou gripe, ou "vamos ter que ir ao médico" ou "vai precisar de injeção", ou ainda "você vai cair daí e machucar".
Exemplo do que motivou: esse não precisa de exemplo, é auto-explicativo.
Essa, sem dúvida, é a ideia mais idiota que alguém já teve. Com poucas palavras, você consegue: a) fazer irrelevante o julgamento do seu filho (pode não ser grande coisa, aos seus olhos, neste início de vida, mas lembre-se que estamos tentando criar um ser humano, e não um bonequinho de dar corda); b) colocar uma ideia potencialmente negativa no seu filho (um dia Clara comeu um pedaço mais generoso de pão e me disse, preocupada, "ih, agora vai me dar dor de barriga..."); c) criar uma resistência pra quando realmente precisar levar a criança no médico, o que já não precisa de muitas resistências adicionais. Aqui em casa o genérico, "não faz isso, filha, que é perigoso/não faz bem pra você/mamãe fica preocupada que você se machuque" funciona perfeitamente bem, e eu não me sinto um oráculo do agouro.


Clara continua ouvindo as coisas que eu não falo, pelo menos uma vez ao dia, de outras bocas - o que gerou a preocupação com o negócio de comer um pedaço maior de pão no outro dia, e tantas outras preocupações.

Aí eu desabafo no blog.

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