terça-feira, 30 de junho de 2015

Experimentando

Desconfiada dos leites em pó, comprei um leite mais próximo do leite da vaca.

- Eu não quero esse leite!

Coisas da idade, coisas do gênio característico da Clara, coisas de ter um irmão mais novo no leite em pó. Comprei mesmo assim.

Chegamos em casa. Tomou o leite.

- E aí? É muito ruim o leite?

- É um pouquinho ruim. E muito gostoso. Pode ser assim?

Pode, Claraboia. Pode ser assim.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

Sonhos que se realizam ou da série "de ser grata"

Chegando perto dos trinta anos.

Olhando para trás e para o que temos a frente.

Olhando meus filhos dormindo ao meu lado.

Olhando o pai deles.

Eu cantei.

"Foi você
O sonho bonito que eu sonhei
Foi você
Eu lembro tão bem
Você, na linda visão.
Que me fez sentir
Que o meu amor nasceu então
E aqui está você,
Somente você,
A mesma visão...
Aquela do sonho que eu sonhei".

E em inglês me parece ainda mais bonito...

"I know you, I've walked with you once upon a dream... The gleam in your eyes is so familiar a gleam"...

terça-feira, 23 de junho de 2015

Demorando

- Oi, mamãe!

- Oi, filha! Tudo bem com você?

- Tudo! Tô aqui te esperando...

- É mesmo?

- É, pra gente brincar!

- Ô, filha...

- Mas vem logo, que você tá demorando muito...!

- Mas é que a mamãe tá trabal...

- Então, vem logo, porque o Lucas tá com saudade!

- O Lucas?

- É. O Lucas tá muito com saudade. E a Mirna. O papai. E a Ana Clara... da mamãe.

A mamãe também tá com saudade.

A mamãe acha que ela inteira é saudade...

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Aquilo que você diz

Todas as vezes que Clara teve crises - e para crises, entenda qualquer tipo de crise - eu primeiro tentei resolver com um banho.

Se foi alergia.

Se foi birra.

Se foi uma molezinha de gripe, uma febre...

Eu preciso limpar. Fisicamente, mesmo que não seja físico. Preciso enfiar ela debaixo do chuveiro para recomeçar, para reorganizar, para a água levar para o ralo o que é do ralo e ela ser ela, na sua essência. Faço isso comigo, faço isso com ela.

Ontem chegamos do SESC depois de dançar ciranda e outras coisas, areia de parquinho e tudo mais. Ela estava coçando o pescoço - suor, cabelo, roupa... acontece, uma coceirinha inocente.

- Sabe, mamãe, acho que eu preciso tomar um banho pra dormir. Eu tô coçando.

- Coçando? Ah, é do suor...

- É. Preciso tomar banho. Pra dormir.

Dei banho nela.

- Passou?

- Agora passou.

Aninhou na cama, assistimos um pedaço de um filminho enquanto eu fazia cafuné. Ela pegou no sono logo, serena e limpa - só essência.

sexta-feira, 19 de junho de 2015

A menina dos cachos dourados conhece o menino de cabelos vermelhos

Acho que se um dia eu fosse escrever a história de quando Lucas chegou na vida da Clara, esse seria o nome. "A menina dos cachos dourados conhece o menino de cabelos vermelhos". Ou "cabelos de fogo", talvez tivesse mais vendagem e atraísse mais a curiosidade das crianças.

Não tenho irmãos - pelo menos não no trato diário. Tenho meio-irmãos, que conheço virtualmente, e que descobri tardiamente. Não tive nada dessa vivência louca de ter alguém dentro da sua casa o tempo todo, invadindo o seu espaço, dividindo suas coisas, a atenção dos pais. E que barato é observar isso. Observar a Clara se adequar a mais um - esses dias, queixosa, me disse que "queria uma criança só!", com o dedinho em riste, para segundos depois se debruçar sobre o carrinho - beijar, abraçar, brincar com o irmão. Observar o fascínio do Lucas por este ser satélite da sua gestação e nascimento - sempre ali, sempre perto, sempre a voz dela, aquele toque, e o olhar, e as brincadeiras.

Eu os vejo amarem um ao outro sem saberem direito o que é amar. Sem se preocuparem com isso, também, porque é inato, natural e sem propósito. Puro.

Ele sarando da gripe, ela mexendo com ele.

- "Vamos dormir, Luquitas!".

E estende a fraldinha fechando o carrinho. Ele gargalha. Gargalha. Nós, os adultos, passamos minutos a fio no "brrrr", "cadê", cosquinha, o que for, para ganhar um sorriso de soslaio. Ela assopra, ela gira, ela faz um salto de ballet, ela canta um pedaço de uma música que não existe - e ele se desmancha.

Assistindo à cena, perplexos, nós nos desmanchamos em seguida.

terça-feira, 16 de junho de 2015

Das coisas que se sabe que não se sabe

Quando eu decidi ter um filho - e aqui é "eu", mesmo, porque eu decidi muito nova, comigo mesma, que teria um filho (sem saber quando, sem saber se teria pai, sem saber se seria de outra barriga, sem saber nada disso) -, eu não passei um átimo de segundo na questão "mas e meu corpo, que será que vai acontecer?". Eu passei horas na questão, "mas e minha cabeça, o que será que vai acontecer?".

Anos mais tarde, quando a decisão foi minha e do Rafa, por um filho naquela hora ou dali a nove meses, com pai e da minha própria barriga, essa questão voltou a me assombrar e mais completa: e do meu coração? O que será?

Eu não sabia, mas já tinha uma boa dose de desconfiança, que filhos nos mudam no nosso íntimo. Eu sabia, como já disse, que um filho viria para me mostrar que eu não sei o que penso que sei, e que talvez até saiba aquilo que nunca imaginei ou pensei que já tivesse esquecido. Sabia que um filho romperia com as minhas poucas verdades, como eu já disse tantas vezes, e por mais que estivesse pronta para abrir mão de tudo ou qualquer coisa, eu não sabia o que isso faria de mim.

E ter um filho... Que amor sem limites. Ter dois, você pega o limite que já não tem para amar e estica até dobrar no infinito. Você quer que um durma para poder dar atenção para o que está amuadinho, depois dormem os dois e bate a culpa: só porque ele não está amuadinho, não significa que não precisa de atenção... Você põe os dois no colo e brinca um pouco, pensando, "são tão pequenos, precisava de ter dois colos"...

Clara, nos últimos dias, me levou a duas situações que eu não imaginava. Me arrastou, literalmente, atrás de uma procissão. A procissão da minha infância, Corpus Christi. E me pediu, quando chegamos na igreja para a bênção final, "mamãe, vamos vir na missa?".

Fomos à missa. Lá pelas tantas, é óbvio, ela se entendiou como boa criança. Mas eu fiquei pensando... Como meus filhos me trouxeram minha religiosidade de volta - magnificada, mais completa, mais confusa, até, mas muito íntima. Me devolveram a inocência de fechar os olhos e pedir com o coração. Quando eu era pequena, pedia um irmão adotado, um cachorro ou um gato, um amigo. Hoje eu peço pelos que eu amo, "olha por eles". E peço num sopro, "acalma meu coração"...

Quantas vezes eu pedi isso aos céus. Que acalmassem meu coração. Pedi ao céu na forma de Deus, Jesus, aos santos quase todos, mais vezes aqueles que me parecem mais "chegados", a minha mãe, avó, tia-avó... E tantas vezes eles me ouviram. Porque esta era a minha maior certeza e foi também a minha maior surpresa, o que ser mãe foi capaz de fazer a minha cabeça e ao meu coração, a minha alma inteira.

E eu o faria de novo. Pensando na poesia, acho que ele estava errado. O melhor dos filhos é tê-los. Se você estiver disposto. Se você estiver desperto. Se for capaz de semear o bem e o amor sabendo que não é você quem vai colhê-los, mas os seus pequeninos.


Tem aquela música, e meu pego pensando.
Ah, só eu sei quanto amor eu guardei. Sem saber que era só pra você...
Mas "você", aqui em casa, é mais de um.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Cruz sagrada, seja minha luz
Não seja o dragão meu guia
Retira-te, Satanás,
Não me ofereça coisas vãs.
O que me ofereces é mal:
Bebes tu do teu próprio veneno.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Fui eu que fiz?

Crianças são incrivelmente surpreendentes, o que é chamá-las de incríveis duas vezes. Às vezes desgastam todo seu bom humor numa birra interminável, às vezes te desarmam sendo doces e educadas e tranquilas quando você acha que tudo aponta contra.

Fomos comprar o presente da amiguinha. Eu disse a ela antes de sair de casa, "pegar o presente DA AMIGUINHA". Ok.

Entramos na loja de brinquedos, olhamos algumas coisas, ela escolheu um item de preço extremamente razoável.

- Mamãe, já escolhi o presente da minha amiga. Vamos pagar?

Eu e o papai queríamos ver brinquedos. Eu e o papai ainda achamos (muita) graça em brinquedos.
Ela me mostrava uma coisa ou outra, às vezes dizia "vamos pro caixa, mamãe? eu já escolhi...".

De repente eu enxerguei o que pensei que seria o supra-sumo. O castelo da Elsa, do Frozen, em LEGO. Meus olhos brilharam. Os personagens: a Elsa, a Anna, o Olaf. Que belezinha! Parte de mim desejou, secretamente, que ela pedisse.

- Olha, filha, que lindo!
- É da Elsa! E tem a Anna! Um castelo! Do Frozen!... Mamãe, vamos pro caixa? Porque eu já escolhi o presente da minha amiga...

Fomos pro caixa.
Eu fiquei meio borocoxô, porque era muito lindo o castelo.
Eu fiquei incrivelmente orgulhosa, porque é tão sensata a minha Ana.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Segurando a onda

- Olha, mamãe! Tartaruga!

Tortuguitas.

- Ai, Aninha... Não pode!... As alergias...

Chorou baixinho, tristonha. Eu fiz o que dava: distraí, brinquei, fingi que não queria chorar de impotência, mesmo que tortuguitas sejam uma porcaria industrializada.

Saindo do mercado, de novo:

- KinderOvo! Dos Minions!...

- Mas Ana, a alerg...

- Só o brinquedo. Você come o chocolate.

No carro, abri o brinquedinho. Entreguei, e ela:
- Come o chocolate, mamãe. É pra você. Vê se o papai quer!

Ainda bem que eu estava no banco da frente, ela não viu nenhuma das minhas lágrimas. Minha pequenina, tão cheia de grandezas.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

A bolha

Eu nunca entendi a necessidade que minha mãe sempre teve, e beirava a patologia, de me manter dentro de uma bolha.

"Não vai hoje na escola, não, está chovendo".
"Muito frio".
"Ontem à noite, você estava quentinha, fica em casa".
"Aniversário de quem? Acho que não".
"Na rua? Nem pensar".
"Olha o sereno!".

Eu nunca entendi é maneira de dizer. Agora eu entendo, perfeitamente.

Acordo de madrugada e penso, "virou o tempo, deve ter um monte de criança gripada. Acho que vou deixar ela em casa".

Vejo as crianças brincando, correndo, e me pego pensando "será que não é muito esforço? Vou lá buscar ela pra beber água, pelo menos para um pouquinho...".

Vamos ter que sair nesse tempo? Tome aqui o casaco, veste a touquinha, deixa ver essa meia... Por via das dúvidas, vamos colocar uma calça mais grossa.

Proteger os filhos é a tarefa mais instintiva da mãe. Tenho medo de ficar como o Marlin - se você não deixa nada acontecer ao Nemo, nada acontece ao Nemo. Mas assumo que tenho desenvolvido uma leve neurose superprotetora recentemente, e tentar domá-la é parte constante dos meus dias.

Nem sempre consigo domar esse instinto muito bem, sabe. Percebo isso nas respostas e trejeitos da Clara.
Liguei pra casa:
- Oi, filha!
E ela, muito pronta:
- Oi, mamãe! Tá tudo bem.

Não me deu nem tempo de perguntar... Mas, que bom, graças a Deus, a pressa dela foi pra dizer que está tudo bem...