Quando a Ana nasceu, a Ana minha e não a Ana em mim, eu
achava um tanto de coisas que as pessoas acham hoje.
Eu achava que tinha que deixá-la chorar um pouco para não
mimá-la. Eu achava que os médicos me ajudariam a cuidar da minha filha e do meu
corpo. Eu achava que ela ia ter hora pra mamar e que mamaria até os seis meses,
pra depois eu recuperar “minha vida”. Achava supernanny o máximo e esses livros
que te dizem como criar seus filhos de um jeito fácil.
Ora, vejam só.
Como é que a vida é mesmo cheia de meandros e histórias...
Com a Ana eu descobri que ela precisava de mim, no momento
que ela precisava de mim, e que às vezes isso não era de 3 em 3 horas. E que,
muitas vezes, mamar não era “mamar”. E mamou pelo tempo que quis, como o Lucas
vai mamar, e sei que vou sentir saudades desse tempo em que eu sou alimento.
Que privilégio louco, ser alimento. Quantos sentidos em ser mãe.
Descobri que os médicos sabiam nada ou muito menos do que eu
quando se tratava da minha cria. Lembro de uma vez em que tudo que a Ana tinha
era intestino preso, e lembro da cara de bosta que o médico fez quando eu disse
que não deixaria ele medicá-la para qualquer outra coisa que fosse, porque ele estava
errado e não estava me ouvindo – não era garganta, não era enjoo, não era
virose, era o intestino! Saímos do consultório meio perdidos. Em casa, a tia-avó
deu uma bacia de manga para ela comer. O intestino soltou com violência, e a
Ana sarou num prazo de três horas.
Descobri que chorar só serve pra isso: chorar. Que conhecer
o seu filho e os motivos do choro e ensiná-lo também a conhecer-se é muito mais
útil, reduz muito mais o chororô e cria um ser humano mais feliz e mais
acolhido. O mundo vai deixá-la chorar num canto, sem consolo. Eu não vou.
Entendi que todas as fórmulas prontas são falhas, porque não
existem fórmulas prontas. Em tratamento de água, você capta a água todos os
dias do mesmo rio, mas o rio é cada dia um rio diferente. Às vezes a água está
mais cristalina, às vezes mais barrenta, cada momento é um momento e não existe
uma quantidade padrão de cloro a ser adicionada – você precisa conhecer a água,
olhar a água, entende-la, para então dosar o cloro e tratá-la. Isso minha profissão me ensinou,
e se posso ver isso aqui, como não ver isso nos nossos filhos? Eles são únicos
e a cada dia diferentes, e vão desmistificar e arrasar toda fórmula pronta que
eu possa tentar forçar neles como um molde. Eles não cabem em moldes, eles são
mais.
No fim das contas, quando nos vejo meio índios – meus filhos
andando descalços, pendurados no meu peito, comendo frutas com as mãos e
roubando tomates antes de eu cortá-los para o molho (e não pense que é só a de
4 anos que está fazendo isso... ¬¬), eu entendo que fiz uma opção por não criá-los
do jeito mais fácil. Eu fiz a opção por criá-los do meu jeito.
E quando alguém me diz, contando uma vantagem louca, “na
minha casa hora de criança dormir é oito horas, e não tem conversa!”, uma
partezinha de mim fica triste. Porque na casa dele não tem conversa... Na minha
casa tem conversa, sim, mesmo que eu tenha estipulado horário para as crianças
dormirem. Sempre vai ter conversa. E quando alguém me diz, “eu apanhei e tô
aqui, vivinho da Silva, nem virei marginal!”, eu penso que quero a Ana e Lucas
estejam muito mais do que vivos, quero que estejam bem, e que, além de não
querê-los à margem, eu os quero no centro, protagonistas de suas próprias
histórias. Essas justificativas são tão injustificáveis...
A cada dia eu me questiono sobre como estou criando meus
filhos. A cada dia eu sento e peso. A cada dia eu rememoro os meus momentos de
destempero, de estresse, de cansaço – e tento desmistificá-los, dobrá-los, tento
encontrar novos caminhos para o novo dia que será amanhã (e será).
Não me acho nada. Sou cruelmente ciente das minhas
limitações, da minha incapacidade como mãe, como esposa, amiga, profissional, como ser
humano. Então isso não é receita de nada, nem exemplo de como ser mãe – aliás,
Deus me livre ser exemplo, já sinto o peso nas costas de ser exemplo para as
minhas crianças, haja responsabilidade... Isso é só um desabafo de como eu me
descubro, às vezes, na surdina, quase clandestina, feliz por ter deixado vir à
tona essa pessoa que eu já era e não sabia. Essa pessoa que não liga para o que
vão dizer se ela assumir que na casa dela as crianças podem falar palavrão,
desde que saibam o que estão falando. É tão bom poder não ligar. Tão bom saber
que o mundo ainda vai girar, mesmo eu sendo errada e incompleta. E desde que
meu mundo passou a girar com meus filhos nele, eu sou capaz de ir dormir sem
escovar os dentes, mas não sou capaz de me deitar sem abraçá-los forte e
beijá-los e ensebá-los no meu aconchego, sem sussurrar no meu íntimo, obrigada.
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