segunda-feira, 18 de abril de 2016

Desconfianças

Queria ter filmado a conversa que tive com Ana Clara ontem a noite, o rito de admissibilidade do impeachment já caminhando para o fim.

- Mamãe... A Dilma vai sair...

Ela tinha percebido. Eu tinha percebido, também, mas eu sabia quanto era 2/3 dos votos. A Clara não sabia, mas o clima, a conversa, as pessoas bradando sim, a alegria deles... Ela é esperta. Bem esperta. Por mais que eu tenha tentado várias vezes o "olha só, vamos colocar um desenho no NetFlix?". Colocamos. Ela continuou pescoçando o congresso.

- É, filha, tudo indica que a Dilma vai mesmo sair. Mamãe não sabe muito bem como se sente com tudo isso. Acho que é tudo muito confuso e acho que está tudo errado.

Tive que dar uma pequena explicação sobre o motivo do impeachment. "Mamãe, ela roubou mesmo?". Tive que explicar que a suspeita não é exatamente essa. Mas como explicar pedalada fiscal para os quatro anos da minha filha? Eu disse que ela contou uma mentira. E a gente não deve mentir.

- Eu não gosto quando ela mente.

- Ninguém gosta. Mentir é muito errado.

- Mas queria que ela tivesse outra chance.

A grandeza dos quatro anos. Implacável.

- Quem vai ser o presidente se ela sair mesmo?

- Michel Temer.

A cara de bunda que ela fez eu não consigo explicar. Mas é a minha cara quando escuto que Michel Temer vai ser meu presidente, provavelmente. Clara nunca me viu reagir negativamente ao nome dele, evito me manifestar negativamente sobre qualquer coisa perto dela, mas tem certas coisas que o DNA carrega, parece.

- Esquisito.

- Isso resume bem, Ana Clara. Esquisito.

- Mamãe, se a Dilma não for mais presidente, eu não quero mais morar aqui! - atacou a "síndrome Lobão" - Eu quero morar numa casa que tenha uma TV em que a Dilma ainda é presidente!...

Clara... Minha Ana Clara. Não é assim que a gente resolve as coisas. Tentei não rir e explicar que ela não pode simplesmente "ir pra Miami". Tentei explicar o que é democracia. Mas tentei, acima de tudo, ter empatia. Por todos. Tentei me colocar no lugar da minha filha e entender seus anseios diante desse clima instável. Tentei me colocar no lugar daqueles que acreditam que isso tudo é para o bem. Eu tentei me transportar para todos esses lugares. Mas há lugares em que me parece impossível habitar. Lugares de intolerância. De desrespeito. Lugares em que a Dilma é "vaca" e um deputado é "um viadinho". Lugares em que se fala de Deus para defender interesses pessoais, muitas vezes direitos escusos. No meio dessa empatia impossível, eu disse a minha filha:

- Você vai ficar bem, nós vamos ficar bem, e nós vamos batalhar para construir um país em que acreditemos.

Clara sorriu. Mas fomos dormir marcadas pela desconfiança.



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