quarta-feira, 27 de abril de 2016

Sobre redomas e "the odd one out"

Quando descobrimos o lance das alergias alimentares, uma decisão veio latente: Clara vai enfrentar e conviver com o resto do mundo normalmente. Não vamos nos esconder das pessoas, das festas, dos restaurantes. Vamos fortalecê-la para enfrentar. Vamos ensinar a ela que tudo bem ser "the odd one out". Você não precisa olhar para onde todos estão olhando, dançar o que todos estão dançando, comer o que todos estão comendo. Você é você, nem melhor e nem pior, apenas igual a todos e única nas suas particularidades.

Funciona? Funciona.

Eu me admiro da coragem e da determinação dela.

Recusou a bala na aula de ballet.
Devolveu a sacolinha de guloseimas que os vizinhos deram no Halloween.
Não me pede as tranqueiras de supermercado ou aniversário. Quase sempre.

Quase sempre.

Mas tem uns dias...

Tem uns dias em que ela aponta e diz, "vê se é corante natural! vê se esse não tem conservante!". Não é corante natural. Tem conservante. "Eu posso? Hein, mamãe? Esse eu posso?". Não pode.

E não pode.
E não pode.
E não pode.

E eu sei, saudável. Ela não pode tomar refrigerante? Lucro. Ela não pode comer milhares de açúcares coloridos? Lucro. Sem glutamato monossódico na minha casa? Lucro.

Mas.

Mas e todas as outras crianças?
E todo mundo rodando em torno das guloseimas, todo mundo fazendo pintura no rosto, todo mundo enchendo os bolsos de bala? E as tias que vem atrás com um pirulito que ela recusa enfiando o rosto na minha blusa - "fala pra ela, mamãe! Fala!".

Eu mudei o discurso.
Não falo mais, "ela não pode". Eu falo "não comemos balas, obrigada".

Mesmo assim, nesses dias, dói. Nesses dias eu fico matusquelando se seria mais fácil se fosse por ideologia. Eu até tinha muita ideologia, mas a minha ideologia incluía não comprar refrigerantes e nem sucos com açúcar adicionado, não incluía ficar neurótica com salgadinhos de festa de aniversário pensando se tem pomarola na coxinha ou requeijão no pastelzinho de milho. E o milho, é conversa? Mas conserva de ácido cítrico ou tem alguma outra coisa? Tem um rótulo pra eu ler?

E aí, nessas coisas doloridas, a minha primeira decisão sofreu um pequeno impacto. Na verdade, uma pequena adaptação. Clara vai enfrentar, vamos fortalecê-la para enfrentar - mas sua casa será o seu reino. Na sua casa as comidas, bebidas, sobremesas serão todas inclusivas. Vamos receber todos que quiserem nos visitar, mas a pizza não pode ser de calabresa, nem portuguesa, nem de atum. Na casa dos outros eu explico - come essa, gatinha, que as outras tem "lixinho"!. Mas na casa dela... Na casa dela, não.

Dentro da sua própria casa, ela não será exceção. E acho que fiquei tão presa nisso, que nem percebia que fazia da Clara regra.

Tem queijo, mas não tem embutido.
Tem suco, mas eu me benzo se vejo uma garrafa de refrigerante.
Gostam de paçoca e brigadeiro? Não temos sorvete.

Mas temos amor. E um mundo novo - mais um, de tantos mundos novos - que a maternidade me descortinou.

E, se você aceitar um conselho... Permita-se.

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